A raiz da Psicologia Analítica no Brasil
Esta mulher com olhar calmo, aparentemente frágil, fez uma revolução na psiquiatria, Nise da Silveira se recusava a usar métodos convencionais, como eletrochoques e psicotrópicos, e introduziu a arte como facilitadora no tratamento psiquiátrico no Rio de Janeiro.
Nascida em 1905, na cidade de Maceió – Alagoas, Nise da Silveira entrou para Faculdade de Medicina da Bahia, onde era a única mulher da turma com 157 homens, formando-se com especialização em Neurologia, em 1926. Um ano depois foi morar no Rio de Janeiro, onde teve oportunidade de participar de rodas literárias, eventos políticos e conhecer artistas e intelectuais.
E assim seguiu o caminho da psiquiatria. Primeiramente recorreu à psicanálise de Freud e, posteriormente, à psicologia analítica de Jung. Acreditava na importância das imagens e dos símbolos nos trabalhos com o inconsciente e apostava no poder da expressão como terapia autocurativa.

Em 1946, fundou a Seção Terapêutica Ocupacional com ateliês de pintura e de modelagem. Assim, plantou a semente da Arteterapia no Brasil. Porém, Nise da Silveira preferia usar o termo “Emoção de Lidar”, retirado do verso de um poema do seu cliente, Sr. Luiz Carlos. Em seu livro “O Mundo das Imagens” (Silveira, 1982) que relata o trabalho do atelier do Centro Psiquiátrico Pedro II, a autora explica:
“A comunicação com o esquizofrênico, nos casos graves, terá um mínimo de probabilidades de êxito se for iniciada no nível do verbal de nossas ordinárias relações interpessoais. Isso só ocorrerá quando o processo de cura se achar bastante adiantado. Será preciso partir do nível do não-verbal... oferecendo atividades que permitam a expressão de vivências não verbalizáveis por aquele que se acha mergulhado na profundeza do inconsciente, isto é, no mundo arcaico de pensamentos, emoções e impulsos fora do alcance das elaborações da razão e da palavra”.
Nise temia a nomenclatura de Arte na modalidade terapêutica, pois para ela as produções não devem ter valor artístico, não devem seguir padrões estéticos. Assim como reafirmava Jung (apud Christo e Silva, 2005):
“Ainda que ocasionalmente os meus pacientes produzam obras de grande beleza... Não é arte e, aliás, nem deve sê-lo. É bem mais do que isso; é algo bem diverso do que simplesmente arte; trata-se da eficácia da vida sobre o próprio paciente”.
Em 1947, com o apoio do Ministério da Educação e Cultura, a médica organizou a primeira exposição dos trabalhos desenvolvidos nos ateliês. Críticos de arte e terapeutas passaram a debater a cerca da importância do trabalho da Doutora, pois as imagens plasmadas rompiam com dogmas estabelecidos tanto no ramo da arte, quanto no campo psiquiátrico.
Dois anos depois curadores do Museu de Arte Moderna de São Paulo elaboraram a exposição “9 Artistas de Engenho de Dentro”. No catálogo da exposição, Nise da Silveira utilizou três noções psicanalíticas: “sonho como meio de realização de desejos”, “sublimação” e “estranheza inquietante”. Além de explicações baseadas na teoria de Jung, e o uso das expressões “arquétipo” e “inconsciente coletivo”.
Em maio de 1952, fundou o Museu de Imagens do Inconsciente com as demais produções das seções de Terapia Ocupacional. Em 2004, as principais coleções foram tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Hoje, o acervo tem cerca de 350 mil obras, já realizou mais de 100 exposições no Brasil e no mundo, divulgando e atraindo grandes públicos.
Em 1954, após ler o livro “Psicologia e alquimia” de Jung, onde na primeira parte consta de uma série de sonhos e impressões visuais de um importante cientista europeu, Nise da Silveira pôde definir um novo método de investigação das imagens pintadas pelos seus clientes: o estudo da série de imagens do inconsciente. Os desenhos em forma circular impressionaram de tal maneira a doutora que resolveu enviar a Jung uma carta acompanhada de fotografias de alguns desses desenhos. A resposta do o médico suíço veio um mês depois, ele ficou muito interessado nas “mandalas” desenhadas pelos esquizofrênicos.
Esta carta tornou-se marco inaugural dos estudos sistemáticos da Psicologia Analítica no Brasil. E mais tarde, em abril 1957 a março de 1958, estudou no Instituto C. G. Jung de Zurique, com bolsa do Conselho Nacional de Pesquisa. Teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Jung, foram alguns encontros em Congressos, no gabinete e até na casa do médico. Este contato abriu o caminho para que outros terapeutas brasileiros fossem obter formação no Instituto C. G. Jung. E retornou aos estudos no Instituto em outubro de 1961 a julho de 1962.

Mas a Nise da Silveira não parou por aí. Preocupada com o alto-índice de reinternações dos clientes, inaugurou uma clínica de reabilitação psiquiátrica sem fins lucrativos, Casa das Palmeiras, na Tijuca, em 1956. Tendo a liberdade como a principal característica da instituição, a Clínica foi para Botafogo, em 1981, tendo à disposição seis ateliês. Com este trabalho o número de reinternações foi para praticamente zero, lá as portas ficam abertas e os clientes podem entrar e sair quando desejam.
A médica formou grupos de estudos, escreveu artigos, livros, obras audiovisuais, roteiros para a trilogia cinematográfica “Imagens do inconsciente” de Leon Hirszman. Recebeu diversos prêmios, títulos e homenagens.
No dia 30 de outubro de 1999, aos 94 anos, Nise da Silveira faleceu, no Rio de Janeiro. E foi assim que esta mulher ativa trouxe para o Brasil uma nova semente, que continha a compreensão da doença mental, a humanização dos atendimentos aos clientes e a valorização de suas obras artísticas. Salve Nise da Siveira!
Texto elaborado por Barbara Rodrigues para o blog da Oficina da Comunicação.
Barbara Rodrigues é Arteterapeuta e atua na Oficina da Comunicação desde fevereiro de 2008.Fotos:
1 - Nise da Silveira.
2 - Museu do Inconsciente - Engenho de Dentro, RJ.
3 - Nise da Silveira e Carl Jung - Visita ao Museu do Inconsciente, no RJ.
Bibliografia:
ANDRADE, Liomar Quinto. Terapias Expressivas – Arte-Terapia, Arte-Educação e Terapia-Artística. São Paulo, Vetor Editora, 2000.
CHRISTO, E. C. e SILVA, G. M. D. Criatividade em Arteterapia – Pintando & Desenhando. Recortando, Colando & Dobrando. 2ª Edição revista e ampliada. WAK Editora. Rio de Janeiro – 2005.
Revista Ciência & Vida – Psique - Edição Especial: Nise da Silveira. 2008 - Ano III nº 7. Editora: Escala.
Revista Coleção Memória da Psicanálise - Edição Especial: Jung. Edição nº 2. Impressão: Ediouro. Editorial: Duetto.
Revista “Nós da Escola” Dra. Nise e a Emoção de Lidar. Prefeitura do Rio de Janeiro, 2005. Ano 3 – nº 30. p. 46 e 47, jornalista Joanna Miranda.
SILVEIRA, Nise. O Mundo das Imagens. Editora Ática, São Paulo, 1982.
Webgrafia:
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